Um futuro multilinguístico
Um dos grandes desafios do brasileiro é a dificuldade inicial para raciocinar rápido e falar outros idiomas quando se viaja para o exterior, ou quando recepciona um estrangeiro. Mesmo tendo conhecimentos de outras línguas, o processamento das informações é devagar, se comparado com pessoas de outros países.
A razão para isso é a soma de alguns fatores, como o baixo interesse dos governos em investir em um bom ensino de línguas estrangeiras que se associa à uma característica geopolítica quase única no mundo: a unificação de um idioma oficial num território tão grande.
Se no mundo há cerca de seis mil idiomas, o Brasil é um dos poucos países que unificou um só idioma dentro de um território gigantesco, dando condições para todos os habitantes compreenderem quase que perfeitamente o português. É óbvio que os sotaques regionais são grandes, mas isso não impede a comunicação entre os indivíduos.
Pela dimensão territorial e a suposição de uma desnecessidade, é secular o descaso político acerca de estudos de línguas, visto que são poucos brasileiros que acabam utilizando outros idiomas no cotidiano. No Brasil acabaram enfatizando outras matérias no ensino fundamental, como matemática e biologia.
Força-se no Brasil, então, a cultura de estudar em escolas particulares específicas para ensino de línguas estrangeiras, visto que a qualidade do ensino, seja em colégios públicos como em particulares (excluindo-se colégios de alto padrão) é insatisfatória, deixando alunos sem uma preparação adequada.
E, mesmo investindo em cursos particulares, há um travamento natural quando o brasileiro viaja, principalmente para Europa, porque ele não tem o ouvido e a mente treinados para escutar distintas línguas ao mesmo tempo, causando quase um curto circuito na cabeça do cidadão.
Bem diferente está o continente europeu visto que, desde os primeiros anos do ensino fundamental, as línguas são priorizadas muito em virtude da pequena dimensão de seus países e de uma rica diversidade de culturas, culminando no desenvolvimento do multilinguismo.
Multilinguismo é a facilidade de aprender e de se comunicar em diversos idiomas ao mesmo tempo. Ainda crianças, eles treinam tais mentes para uma compreensão mais rápida e eficiente. Assim não precisam fazer o que todo brasileiro faz, que é mentalizar em português o que quer dizer, traduzir para o idioma que conhece, e só depois falar.
Os europeus, desde cedo, pulam as etapas de mentalização e tradução. Eles integram tudo à fala de forma natural, instantânea e dinâmica. E nos países com índices de desenvolvimento humano mais altos, o multilinguismo é ainda mais eficiente.
Na Suíça, por exemplo, além de ter um IDH elevadíssimo, o país conta com quatro idiomas oficiais (em parênteses a porcentagem da população tem como língua materna): Alemão (63%), Francês (21%), Italiano (7%) e Romanche (0,5%), e o restante é falado por imigrantes, dando destaque ao idioma Português (3,5%) e Espanhol (2,5%).
Soma-se, na formação básica (mesmo em escolas públicas) de um jovem suíço, o Inglês às três principais línguas oficiais do país, fazendo um estudante de 17 anos estar apto para entrar em qualquer universidade do mundo onde o curso será ministrado em tais línguas.
Com essa miscigenação linguística, os suíços desenvolveram uma mente veloz para compreender os diversos idiomas falados por todo o país, onde o pluralismo de línguas é evidente e está em amplo crescimento, já que o país atrai imigrantes de todas as partes do mundo.
Há outros casos no mundo com cidades internacionalizadas como Londres, Hong Kong e Nova Iorque que acabaram fortalecendo o Inglês. No entanto, quando não há uma ligação cultural à língua britânica, outras cidades internacionalizadas, como Genebra, têm seus habitantes desenvolvido uma mente multilinguística, escutando-se num vagão de trem, por exemplo, pelo menos quatro ou cinco línguas simultaneamente.
A cidade de São Paulo, inclusive, está num forte processo de multilinguismo, tanto que é comum escutar ao menos três diferentes idiomas numa simples caminhada por algumas quadras nas avenidas Paulista, Faria Lima ou Berrini.
Os próximos passos dessa multiculturalidade são evidentes. Alguns lugares desenvolveram novas línguas globalizadas, como o “Spanglish”, falado por jovens de origem hispânica, principalmente na Califórnia. Tal “idioma” mistura Inglês e Espanhol dentro de uma mesma frase.
Já que o Esperanto não se desenvolveu, o Inglês ocupará cada vez mais espaço no cérebro de cada um. No entanto, mais oportunidades comerciais e acadêmicas terão àqueles que investirem em idiomas e treinarem a mente para respostas rápidas e em uma quantidade maior de línguas.
Fronteiras estão ruindo, e é preciso aplicar um velho ditado: “quem não se comunica, se estrumbica.”
Marcio Vieira