Nós corruptos

Ontem chovia, levei 1h15 para dirigir 20km, num horário (20h00), teoricamente, fora do caos. Encontrei amigos, bebi, minha parte em cervejas foi de  três garrafas de 600ml, e voltei para casa tranquilo, sem medo. É que, com chuva, não há blitz, para felicidade da nação.

Quando bebo, dirijo bem devagar, pois, se der merda, será uma merdinha. Viva o jeitinho, os “inhos” dos brasileirinhos que adoram diminuir as responsabilidades.

Acredito que exista alguns milhões de brasileiros que pensam como eu: são pessoas que tem medo da multa, da apreensão do automóvel, da dor de cabeça econômica que isso vai custar. Autoconfiança achando que dirige bem. O medo de causar acidente, matar e morrer, ficou secundário. A vida é secundária no Brasil.

Algumas horas antes, por volta das 16h, comprei de um vendedor de rua quatro caixas de morango por dez reais. Desses que estacionam o caminhão em qualquer ponto para vender. Nota fiscal? Garantia que os morangos não estejam envenenados ou foram colhidos por trabalhadores semi-escravizados? Registro em carteira de trabalho do ajudante? Isso tudo é secundário. Brasileiro é secundário. O importante era ter os morangos.

Ontem dificultei um pouco mais o Brasil. Poderia ter comprado o morango no supermercado por 16 reais, poderia ter gasto mais de cem reais de taxi (ida e volta), ou 6 reais de transporte coletivo (mas que levaria, pelo menos, 2h30 para chegar).

Só que, se é para ficar 2h30 no trânsito, ou se é para gastar 100 reais de taxi, não vou. Fico em casa, e deixo de gastar 42 reais. Deixo de rever alguns amigos, e daí eu vou para o computador fazer o download de algumas discografias de bandas ou filmes clandestinamente.

Se eu fosse um brasileiro bonitinho, teria gasto, entre morangos e cervejas, uns 200 reais. Mas não sou bonitinho, tenho consciência da minha pegada destrutiva.

O quanto você, caro leitor, atrapalha o Brasil?

Discute-se na Rio+20 a pegada ecológica da população mundial, os desafios de uma economia sustentável, etc. Mas e a sua “pegada corruptiva”, qual o nível dela?

Qual o tamanho da sua corrupção, da sua sonegação, o quanto você contribui para o caos, o quanto você contribui para o Brasil ser o que ele é?

Foi para Miami e trouxe Ipad, Imac, Iphode e não declarou nada? Ultrapassou os U$ 500.00 de cota e ficou quietinho? Dirigiu bêbado? Não pediu nota fiscal para comprar pão ou cerveja? Foi na 25 de Março comprar um novo rádio para o carro? Comprou guarda-chuva do camelô? Pediu nota fiscal? Tem garantia? Esse produto chegou como? Molharam o bolso do fiscal no porto que verificou o container?

Arrombaram meu carro para furtar o estepe. A concessionária cobrava 350 reais. Fui num borracheiro e comprei um por 90 reais. Nota fiscal? Procedência? Esquece. Fui a vítima, tenho “direito” de comprar produto roubado porque fui roubado?

Comprou drogas? Sabe por quantas pessoas isso passou até fazer efeito na sua cabeça? Quantos crimes? Quantas mortes? Quantos policiais e tiveram seus silêncios comprados? Quantas famílias despedaçadas, uns presos, outros viciados.

Enrola no trabalho lendo essa besteirol que escrevi? Faz acordo com o chefe para receber parte do salário “por fora”? Comprou aparelho para desbloqueio de canais de televisão à cabo? Declarou a venda do seu apartamento por menos para não pagar tanto com lucros imobiliários?

Sua declaração de Imposto de Renda é 100% honesta? Existe 90% honesto? E parcialmente honesto?

Eu, tu, eles, nós financiamos a informalidade. Eu, tu, eles, nós contribuímos para essa quantidade monstra de impostos existir porque eu, tu, eles, nós buscamos brechas para pagar menos ou, melhor ainda, não pagar. Eu, tu, eles, nós atrapalhamos o desenvolvimento do país porque a maioria adora ser malandra.

Uns mais, outros menos, raros são os que estão fora disso. E ainda assim queremos reclamar. Eu, tu, ele, nós achamos no direito de reclamar da corrupção. Nós corruptos não desatados que emperram isso aqui de funcionar.

Apontar o dedo para os eleitos é fácil. Eles têm diversas responsabilidades pelo que se vê, menos uma: eles não são responsáveis por seus hábitos. Reflita sobre seus atos, e calcule o seu impacto.

Que exemplo é dado para o futuro? O que serão as crianças?

Mude os hábitos e, quem sabe, daqui 20, 30, 40 anos, eu, tu, eles, nós mudaremos o país.

2 Responses to Nós corruptos

  1. Eu,tu,eles… Todos nós temos uma parcela de culpa pelo que o Brasil é hoje.

    PS. Sempre acompanho teus textos e acho todos muito interessantes, melhor site/blog sobre opinião que já vi na internet,parabéns!!!!!

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