O Rolê e você

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Os Rolezinhos em São Paulo acontecendo, e pergunto: o que você tem a ver com isso? O que você tem a ver com os jovens da periferia que escutam funk ostentação e vivem no ritmo “vida loka”?

Você está muito dentro disso, meu caro.

Você que sonha com um carro melhor. Um apartamento melhor. Uma televisão melhor. Um celular melhor. Uma roupa melhor. Enfim, repeti propositadamente a palavra “melhor” para outra pergunta:  o que é melhor?

Melhor é o que te diferencia ou melhor é o que te satisfaz?

É isso que a sociedade de hoje, independentemente da classe social, não sabe mais distinguir. Cada indivíduo quer se diferenciar e, para isso, o inferno é o limite: economizar, comprar, parcelar, financiar, endividar, roubar, matar.

Tudo é motivado pelo ter/possuir, ao invés do ser.

Assim, a grande indústria é feliz ao domesticar o indivíduo por necessidades fictícias, lançando produtos que mexem no ego de cada pessoa, fazendo com que a felicidade dependa daquilo e, para pessoas vulneráveis, acarretando na mudança de comportamento do indivíduo mais fraco, que aceita tudo conforme tendências, conforme moda, conforme o que está na TV, conforme os formadores de opinião.

O desafio do Ser Humano e todo seu desenvolvimento é aceitar com naturalidade que sempre existirá um produto mais caro, uma roupa mais cara, um carro, uma casa maior, um celular mais caro, e não fazer disso uma frustração.

Porque se a frustração for nutrida, você vai perder o principal da vida: a consciência.

Mas você, pertencente das classes A e B, qual a sua responsabilidade sobre o Rolezinho da Classe C e D?

Meus caros A e B, você consome mostrando. Meus caros, você consome compartilhando nas redes sociais. Meus caros, você consome querendo se diferenciar, e a rapaziada do Rolezinho só quer ser igual à você porque esse consumo, pelo que se demonstra, parece ser bom. Meus caros, vocês são caros.

O seu carro com rodas de 19 polegadas deve ser bom. O seu celular iphone super plus é dá hora. O boné de 300 reais é bem louco. A bolsa Hermes de 40 mil reais é melhor. O relógio Jaeguer LeCoultre de 50 mil euros deve trazer felicidade. Sua Land Rover de 200 mil reais é sinônimo de sucesso.

Se você, A e B, consome e sorri, é porque é bom, assim eles pensam.

Você, A e B, é muito responsável pelo endividamento das classes menos favorecidas porque sua aparente felicidade cutuca uma ferida: a desigualdade.

E para acabar com a desigualdade, vale tudo: contrair dívidas, roubar, comprar produtos piratas. Está aí a justificativa para financiar em 36 meses uma televisão.  Financiar em 2 anos um celular. Financiar em 80 meses um carro novo.

O jovem da periferia quer esquecer o sofrimento, e é capaz de guardar 3 meses de salário para comprar uma corrente de ouro, que pode não resolver o sofrimento, mas ao menos será uma anestesia contra a falta de esperança por uma vida digna. O Vida Loka acredita que a felicidade é comprada, então ele faz isso em pequenas doses daquilo que o A e B consomem.

Se você, A e B, começar a refletir sobre suas próprias necessidades, certamente perceberá que seu Honda Civic 2009 está bom, você não precisa de um BMW. Seu Corsa 2004 está bom.  Que seu iphone 4 funciona, então está bom. Que você já tem 5 calças jeans, não precisa de mais outra. Você já gastou horrores para comprar o boné Von Dutch, que está mofando porque você sentiu a necessidade de ter um John John.

É por isso que existe Playstation custando 4 mil reais. É por isso que existe iphone custando 2 mil reais. Posicionamento de mercado para consumidores cegos que se endividam por causa de uma suposta felicidade que aquilo pode trazer.

Se você recusar, garanto que o produto vai abaixar de preço, e não existe nenhum produto no mundo que faça você Pertencer à determinado grupo social.  O Pertencimento deve ser com você mesmo, com sua consciência.

Use o velho! Respeite seus bens! Valorize seu dinheiro.  Fazer sobrar o dinheiro na conta corrente não significa que você deixou de ser feliz.

Se você fizer isso, A e B, eu te garanto que o mundo será mais seguro, porque haverão menos necessidades consumistas, haverá menos desejo de estar no topo. O mundo será mais feliz. O mundo será mais leve a ponto de não julgar mais as pessoas pelas aparências.

Se você, da A e B, controlar seus anseios de consumo por querer se diferenciar na sociedade, certamente a classe C não vai se endividar por bens não duráveis.  Quem sabe a C e D comece a investir o dinheiro da correntinha de ouro em cultura, estudo, viagem. Quem sabe, assim, a classe C e D priorize Ser, e não o atual Ter.

A sociedade de hoje concretou um pensamento que precisa ser alterado: o ter para ser. Um não depende do outro, e a recusa do consumo doentio e desnecessário é o caminho para um mundo mais justo, mais igual, menos violento, menos sofrido.

Quem sabe, no futuro, seja mais dificil identificar as pessoas, aliás, mais que isso, quem sabe as pessoas não tenham interesse em querer se diferenciar na sociedade, e vão achar a exclusividade em bens e serviços como algo bobo e irrelevante.

Quem sabe, no futuro, não tenha tanta desigualdade, mas para isso, você deve enxergar o seu poder de influência e reavaliar o que você está fazendo para integração social. Do contrário, mais carros blindados, mais grades, mais isolados vocês ficarão.

Quem sabe, no futuro, o Rolezinho seja misturado, todas as classes juntas e em harmonia, e não apenas um ato de rebelião às diferenças, mas para isso acontecer, você deve repensar nos seus atos, porque o reflexo de cada ato ecoa.

Marcio Vieira

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