A Gaiola

thecage

Escrevi, há uns dois meses, e preguei no meu quadro de recados a principal pergunta que existe, e todo dia, desde então, olho para a pergunta. O intuito não é apenas olhar, é também refletir.

Qual é o seu projeto de vida?

Pesada, tal pergunta.

Os últimos dois anos, desde que voltei pra São Paulo, tento vencer os meus próprios questionamentos, insistindo num modelo em que a maioria das pessoas daqui (e qualquer outro lugar) segue, o qual apelidei de “Projeto Gaiola”.

Uma das maiores sacanagens que considero é alguém “cuidar” de passarinhos em gaiolas. Fazem isso, talvez, porque não perceberam que vivem dentro de grandes gaiolas e assim querem que outros animais sigam o mesmo modelo de vida.

A Gaiola consiste, basicamente, em entrar num círculo vicioso com vários subprojetos onde o ponto de partida é sempre o mesmo: a insatisfação.

A insatisfação pode ser vista de diversos ângulos, mas vou destacar o lado positivo: a busca por melhorar. É benéfico o sentimento da insatisfação positiva de, todo dia, querer algo novo: uma roupa nova, um celular novo, um carro novo, um imóvel novo. É uma forma de lutar e realizar vitórias.

No entanto, é perigoso esse sentimento porque a conquista momentânea é apenas um anestésico aos indivíduos que aderiram ao Projeto Gaiola. O prazer, com o passar do tempo, perde eficácia e, em pouco tempo, existirão novas roupas, novos telefones e novos carros.  E, de repente, o seu apartamento ficou pequeno porque sua sala ficou pequena… porque sua televisão aumentou de tamanho.

Porque na sua cozinha ficou pequena: lá tem novos utensílios, panelas elétricas, cafeteira de cartucho, churrasqueiras elétricas, máquina de pão, descascadores, “mixer”, George Foreman, Máquina de suco para nove tipos de frutas, sendo que, para cada fruta, utiliza-se um acessório diferente.

Porque seu armário ficou pequeno:  novas camisas, novos vestidos, novas cores, novas estampas, novos casacos, tênis de corrida, tênis de montanha, sapato, sandália, rasteira, salto alto, médio, baixo, sapatênis, roupa da academia, roupa de ficar em casa, roupa de trabalho, roupa de trabalho às sextas-feira, roupa de sábado de sol, roupa de friozinho, friozão, chuvinha, chuvão, calorzinho, calorzão.

Em resumo, novas necessidades!

O mundo está mais dinâmico, as pessoas estão mais aceleradas, mais conectadas, mais informadas. A mente é mais rápida que os olhos e que as mãos, e o que você segura hoje não será o que você vai desejar amanhã. É aí que surge a primeira frustração, causando insatisfação.

Troca-se!

Para que você não desacelere, para que você continue alimentando sua própria insatisfação, ficou mais fácil trocar tudo. Roupa, carro, emprego, telefone, cidade, casa, amigos, marido.

E tudo isso atingiu essa velocidade de desejos porque está mais fácil se endividar. Quando alguém termina de quitar um bem, tal pessoa sente a obrigação de contrair novas prestações. É como se a conta bancária não permitisse sobrar um dinheiro. Se sobrar, não é feliz.

E ainda tem muita gente que nem espera quitar, já vai atrás de um novo celular, um novo carro, uma nova casa, tudo para anestesiar a insatisfação.  Refinanciamento, e resolve-se tudo.

Não digo para as pessoas se acomodarem com o que tem. Não é isso! O que quero, em resumo, é refletir sobre o Projeto de Vida e ajudar a a responder tal pergunta, então fui atrás de uma palavra: “Necessidade”

Será que é necessário eu me enforcar em prestações para estar satisfeito? Será que é realmente necessário atualizar meus bens? Será que é Necessário precisar de algo ou de alguém para atingir a felicidade?

Na minha opinião, seria muito injusto (sacanagem mesmo!) estabelecer condições para a felicidade. Condicionar a alegria, a satisfação, impor critérios, regulamentar condições, regras, limites para ser feliz.

Porém, entrar nesse carrossel para querer melhorar a gaiola é o propósito mais aceito para justificar a felicidade. A sociedade está condicionada à esse modelo de vida, que gira no mesmo sentido sobre os mesmos trilhos, mudando apenas os bens e pessoas, mantendo as mesmas sensações, mesmas angústias e mesmas frustrações.

O sonho pode parecer diferente aos olhos, mas o que movimentou aquele pensamento são os mesmos sentimentos de outrora.

Seu projeto de vida pode não ser uma gaiola, mas sim um viveiro, lindo, confortável, com churrasqueira na varanda e piscina aquecida.  Mas  é bom lembrar que todo viveiro sempre será gaiola.

São gaiolas e carrosséis espalhados e empilhados por toda cidade, e para sair de mecanismo de vida não precisa rasgar tudo, não precisa vender tudo, sair da cidade, largar tudo, comprar uma kombi e virar hippie, chutar o balde, mandar chefe para “aquele lugar”, etc.

Para sair do Projeto Gaiola, basta identificar as próprias necessidades, olhando para dentro, para o coração. Tem muita gente que está fora da Gaiola, mesmo vivendo na caótica São Paulo. Viver livre independe de locais caóticos ou praias paradisíacas.  Sua mente pode estar presa em qualquer lugar.

A solução, veja bem, não é trocar de gaiola.

O desafio começa pela auto-avaliação do modelo de vida que decidiu seguir. É analisar as influências do consumismo desenfreado, a real necessidade de novos comprometimentos da renda por objetos, imóveis, bens, serviços que não são realmente necessários.

É saber dizer não. Ou sim, onde a prática do desapego é o exercício a ser realizado.

De forma resumida, A Gaiola é o limite do seu vôo. Limite da sua mente.  Não ter gaiola, definitivamente, é o maior desafio da vida, já que ela foi montada dentro das pessoas, porém, cabe somente à você a manutenção do modelo de vida que te traz mais felicidade.

Afinal, qual é o seu projeto de vida?

Marcio Vieira

1 Responses to A Gaiola

  1. […] por sua vez, criou o endividamento. O endividamento, por fim, perpetua a vida em um sistema que engaiola o cidadão num ciclo o qual ele mal sabe que entrou e acaba tornando a vida automática do […]

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